sábado, 3 de setembro de 2011

DE PARIS A TERESINA

DE PARIS A TERESINA

Há algum tempo assistimos pela imprensa aqueles episódios de grandes depredações na França, principalmente na capital Paris. Os episódios agora de Teresina, os protestos contra o aumento da tarifa de transporte coletivo e a má qualidade do serviço, somado à falta de transparência das planilhas de custo, dão bem a dimensão da exclusão social que há em Teresina e dá para se traçar um paralelo com exclusão social que há na França em relação aos afros descendentes.
As pesquisas indicam que a causa básica dos precitados episódios, têm origens históricas, ou seja, vêm do fato de a França haver invadido várias nações africanas, tendo implantado nestas nações seu sistema colonial, espoliando os povos daquelas nações, com relações de trabalho escravo ou equivalente, se apropriando criminosamente dos meios de produção, das riquezas naturais, enfim levando para a França o que havia de bom, deixando o povo muito pior que antes.
Fato é que durante séculos, a França e outros países da Europa, dita civilizada, dominaram quase todo o continente Africano, roubando e furtando as suas riquezas naturais e depois quando já não lhes interessavam mais a dominação, faziam um simulacro de independência, mas deixando ainda um certo vínculo de dependência, mesmo que tênue.
No caso da França, muitos africanos colonizados para lá se dirigiram, pois as ex-colônias foram abandonadas desprovidas de quase tudo em relação ao mundo dito civilizado. Os Africanos na França estudaram, se desenvolveram, criaram raízes, no entanto sempre foram vistos pelos franceses tradicionais, como intrusos, como gente de segunda. Pois bem, no tempo das vacas gordas, em que havia emprego para todo mundo, educação de boa qualidade para todo mundo, previdência social para todo mundo, os afros descendentes foram se instalando e passando um pouco despercebidos. No entanto, agora que as coisas escassearam, acabou a bonança, a juventude afro descendente passou a sentir na pele o peso e a dor da exclusão social, se viu sem emprego e sem perspectivas, exemplo: termina um curso superior e não encontra um emprego para se manter, constituir família e assim permanece morando e na dependência dos pais.
Em Teresina, a coisa é um pouco parecida, vemos que há alguns anos um grupo político assumiu a administração da cidade, fez uma maquiagem mais ou menos ilustrada, criou alguns slogans fortes e, como a Sociedade Civil era bem desorganizada, a população foi aceitando, convivendo, agüentando, porém como nada dura para sempre e a sociedade é bastante dinâmica e como diz o saudoso poeta Vinício de Moraes no seu poema: O Operário em Construção, “O operário faz a construção e a construção faz o operário”, chegou a hora em que a população de Teresina cansou de ver só a maquiagem e participar só de algumas migalhas, então passou a querer mais, avançar nas conquistas, sentir que o sistema de transporte é caro e de má qualidade, o sistema de saúde é caro e de má qualidade e outros serviços públicos também são caros e de má qualidade e a exclusão social doeu na pele do teresinense como doeu na do afro descendente em Paris. Assim, como no poema: O operário em construção/ que só sabia dizer sim e aprendeu a dizer Não! O povo de Teresina também aprendeu a dizer Não! e proclamou: basta de demagogia e também de exploração,/ basta de maquiagem e também de enganação/ queremos serviço público de qualidade para toda a população.
Pelo que estamos acompanhado através da imprensa, há muita falta de sintonia da administração de Teresina com as aspirações básicas da população e quando isso acontece, episódios como os que estão ocorrendo aí são bastante previsíveis. Por outro lado, estes acontecimentos de Teresina, são sintomáticos mas são também bastante animadores, pois reacende em nós a grande chama da esperança de termos uma Sociedade Civil forte, atuante, determinada, organizada com objetivos políticos bem definidos e conseqüentemente o enraizamento e fortalecimento do processo democrático do Estado Democrático de Direito. Isto nos faz lembrar os episódios recentes da França, onde a juventude revoltada com a exclusão social, a discriminação e a falta de perspectivas, depredou, incendiou ônibus e saqueou estabelecimentos. Não sei se é assim que deve ser, mas na verdade é assim que acontencem as coisas, quando o poder se torna ilegítimo no exercício. A Sociedade Civil que se vê tolhida nos seus direitos básicos, ela reage e dependendo do seu nível de organização, o resultado é sempre um avanço na conquista de direitos e fortalecimento do processo democrático. Claro que poderia avançar de outra forma, mais organizada e sem violência, no entanto para isto teríamos que ter uma Sociedade Civil com um nível de consciência política bem mais elevado, inclusive bem mais elevada do que a da juventude de Paris onde houve muito mais violência do que em Teresina. Há de se perguntar: Tratar mal a população cobrando tributos elevados e oferecendo serviços públicos caros e de má qualidade não é uma grande violência? Evidentemente que a resposta está na ponta da língua de todos os contribuintes, mormente daqueles que dependem mais dos serviços públicos (a imensa maioria). Violência gera Violência. Os episódios de Teresina até inspiraram-me a escrever este pequeno artigo que postei no nosso blog, cujo título é: de Paris a Teresina. Na verdade são bastante parecidos os movimentos, ainda que diferentes as motivações específicas. Contudo a motivação básica é sem dúvida alguma a exclusão social.
Um grande abraço,
Gaudêncio Leal


Um comentário:

  1. muito bom o blog tio gaudêncio, parabéns! Sobre as manifestações em Teresina, foi uma grande vitória para os nossos estudantes! até então, vivíamos à mercê dos poderosos, sem um mínimo questionamento. Hoje, a estima dos estudantes está elevada e provou-se que o povo unido se torna forte e este povo pode muito bem tomar suas decisões, obrigando os políticos a se submeterem finalmente à sua vontade e não apenas à vontade de alguns empresários monopolistas.
    Durante os dias de protesto, ao cair da tarde, eu procurava sempre acompanhar as manifestações e percebi que até os motoristas dos carros apoiavam. O resultado das manifestações foi extremamente benéfico, o que estava em jogo não era apenas os 0,20 centavos de aumento na passagem, que apesar dos centavos, percentualmente foi um aumento bem acima da inflação, mas uma gama maior de questionamentos veio à luz e ampliou a consciência de nossa população. Hoje todos questionam a falta dos terminais de integração, da não realização de licitação para o transporte público, das linhas de ônibus precárias, depreciadas, sem qualidade alguma, a obscura planilha de custos do SETUT, enfim, acredito que os protestos renderão bons frutos.

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