quinta-feira, 24 de março de 2016



21/03/2016
A 'exceção' é o golpe. Ele já está dado.
O golpe já está dado e o que resta saber é se vamos sair dele, com mais Democracia e República, ou com mais autoritarismo e consolidação da exceção.
Tarso Genro
Para popularizar a defesa política, ainda em curso, sobre a legalidade e legitimidade obtida nas urnas pelo Governo Dilma, o campo de apoio de apoio da Presidenta cunhou a expressão "não vai ter golpe". Correta, por sinal, mas que agora precisa ser interpretada de maneira diversa no plano estrito da política, face às formas originais que vem adquirindo os contenciosos políticos, dentro da crise econômica e do próprio Estado de Direito pervertido, que estamos vivendo.
Sustento que, a partir de agora, o destino da crise não será resolvido somente em função dos movimentos de rua, mas terá um grande peso também a disputa dentro das instituições. Mormente pelas decisões do Parlamento e do Poder Judiciário, pois este decidirá -se o impedimento da Presidenta for aprovado- até se ele o foi de forma legal, ou não. A pressão política democrática e pacífica sobre os parlamentares, que tem o poder constitucional de chancelar a "exceção", já instalada, adquire importância evidente neste momento político.
Os movimentos de rua poderão exercer, sobre estas decisões, uma grande influência, mas mesmo que eles se tornem equilibrados, em termos numéricos, por si só não decidirão a "exceção". Os "movimentos" de rua tem limites para influenciar o Direito, pois este –agora- já comanda a Política: a "exceção" está constituída e é hegemônica, e ela só poderá ser travada, se o for, pela combinação da força das ruas com as instituições.  Não foi gratuita a divulgação, pelo golpismo, das gravações de Lula, reclamando das posições do Supremo, pois os que o fizeram sabem que o desfecho  não será decidido pelas armas da República, mas  pela flexibilização dos seus princípios constitucionais: ódio e "exceção", são os instrumentos centrais da política golpista.
O evento dos juristas no Largo de São Francisco, dia 18, em São Paulo, foi tão  importante, para enfrentar a "exceção", como a grande manifestação da Avenida Paulista. A expressão "não vai ter golpe", nestas circunstâncias, deve então ser interpretada, agora,  no contexto da “exceção”  já  realizado, que obteve um resultado estratégico: a sabotagem na recuperação da economia e a inviabilização de um Governo estável, com maioria social e parlamentar, capaz de lhe permitir uma rotina de governabilidade. Revogar  a “exceção” é a verdadeira disputa pela hegemonia, nesta guerra de posições que a direita encurralou o país, pois a Presidenta pode permanecer no poder, “sangrando”, sem de fato governar.
Importante ressaltar, igualmente, que a expressão "não vai ter golpe", não deve sugerir -na parte da sociedade que nos apoia- que estamos numa situação semelhante a de 64. Naquele momento da História os militares estavam organizados em torno dos confrontos da Guerra Fria e participavam, expressamente, de uma conspiração. Opunham-se -de maneira direta e frontal- aos projetos de mudanças reformistas no país. Hoje, os militares, pela discrição que tem tido nas crises, e, precisamente, por estarem atuando dentro das suas funções constitucionais, tem um prestígio inédito na nossa história. Vincular os movimentos de rua em defesa da Presidenta, a março de 64, pode ser uma desinformação fatal às nossas bases e um grave erro político. Um presente de ouro à direita fascista, que quer eternizar a exceção, com o apoio das Forças Armadas, que são da nação e não de facções políticas em luta.
Não cabe analisar, neste momento, os erros do comando político do Governo e dos partidos ou frações de Partidos, que o apoiam. Nem a convergência liberal-conservadora e autoritária, que envolve a grande mídia, altas frações do empresariado e lideranças políticas de distintas organizações políticas e da sociedade civil, "cansadas" da democracia. Não é hora de "balanços", mas de resistência à continuidade da "exceção", que é, ela mesma, um golpe "novo tipo", nos regimes democráticos em crise de representação.
O que estamos disputando, neste momento, é se a "exceção"  vai se consolidar ou não; se teremos uma transição, para uma outra situação institucional e política em dois meses ou em dois anos; se conseguiremos -para o próximo período- voltar ao convívio entre diferentes, aberto pela Carta de 88, ou se isso vai se tornar impossível; se a utopia democrática ainda tem validade histórica ou se ela será arquivada, como o foi, a experiência socialista autoritária do Século passado; ou se virão novos ciclos de confronto, preparatórios de uma longa guerra civil não declarada, que certamente vai sufocar o futuro das novas gerações.
No último dia 18, encerrei um grande ato da resistência democrática, em Porto Alegre, que não tinha menos de 50 mil pessoas. Algumas estavam lá para defender o PT, outras por amarem Lula –o melhor Presidente que este país teve depois de 88-, outras, ainda, por se indignarem com a brutal campanha golpista, que é promovida pela maioria da grande mídia nacional, para derrubar o Governo. Todas as pessoas contra a corrupção, pela democracia, por uma saída da crise com mais democracia, não com menos democracia.
Quando desci do palanque para o meio de uma multidão comovida, uma senhora de cabelos já embranquecidos me abraçou e perguntou-me: " quando eles vão dar o golpe?", recordando certamente 1964. Naquele preciso momento me dei conta que algo estava errado no cálculo da nossa resistência: o golpe político já está dado pela “exceção” e o que estamos disputando é se ele vai se consolidar como novas formas institucionais não democráticas ou se vamos sair da “exceção” com mais democracia e República.
 O golpe pós-moderno, tanto pode se consolidar por um acordo com a corrupção endêmica, que nenhuma "exceção" tem condições de enfrentar -pois historicamente sempre a agrava- como por uma República dos Promotores e Juízes, cujos protagonistas, elevando-se à condição de salvadores da nação, tutelem a política e coloquem a Constituição a serviço do seu autoritarismo.
Este é, agora, o nível da nossa resistência, na época da despolitização da política que foi judicializada, da desideologização da cidadania que foi subsumida no mercado, da utilização funcional da burocracia para capturar a democracia, que sai -cada vez mais- das praças e flui no círculo etéreo das redes e nos círculos de granito dos aparatos do Estado. Não nos enganemos, a última palavra não será das Forças Armadas, porque elas não querem, mas será do que as ruas e o debate político de alto nível repercutirem no Parlamento e no  do Supremo Tribunal Federal, como guardião formal da Constituição.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Quem é o juiz que suspendeu a posse de Lula

No passado, o juiz federal condenou a Caixa Econômica a pagar indenização ao caseiro Francenildo, que teve seu sigilo bancário violado após fazer acusações contra Antonio Palocci

Juiz federal Itagiba Catta Preta Neto pediu suspensão da posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil
Reprodução/Facebook
Juiz federal Itagiba Catta Preta Neto pediu suspensão da posse do ex-presidente como ministro da Casa Civil
Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, é juiz federal há 20 anos. Antes, o magistrado foi procurador do Distrito Federal e, anteriormente, procurador do INCRA, órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nesta quinta-feira (17), ele ganhou fama ao conceder liminar que anula a nomeação do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva para o posto de ministro-chefe da Casa Civil. Logo depois de a liminar contra Lula ser divulgada, o magistrado ganhou vários perfis no Facebook.
Formado no Centro Universitário de Brasília e com mestrado na mesma instuição, Catta Preta é especializado em Direito Processual Civil e Direito Internacional, Comunitário e Comparado, esse último pela Escuela Judicial de España. As informações são do seu perfil no LinkedIn. No Facebook, seu perfil foi desativo nesta manhã (17).
A ação civil pública para tirar Lula do ministério foi proposta pelo advogado Enio Meregalli Junior. O Tribunal Regional Federal ainda pode rever a decisão, em caráter temporário.
Eleitor de Aécio e presente em manifestações contra Dilma
Após a liminar, começaram a circular nas redes sociais fotos do juiz Itagiba na manifestação de quarta-feira (16) em Brasília, contra o governo. "Fora Dilma", diz a legenda da imagem, publicada no perfil pessoal do magistrado no Facebook. "Ajude a derrubar a Dilma e volte a viajar para Miami e Orlando. Se ela cair, o dólar cai junto", publicou Itagiba.
Outras imagens mostram Itagiba com adesivos da campanha presidencial do senador Aécio Neves (PSDB-MG). "Uma coisa é minha atuação como cidadão e, como cidadão, tenho uma postura contra a corrupção. Outra coisa é meu trabalho como juiz, onde minhas decisões precisam ser técnicas. Não há nenhum constrangimento (em participar das manifestações)", afirmou o juiz. Instantes depois, o perfil de Itagiba no Facebook foi excluído.
Juiz julgou caso do Mensalão
Há cinco anos, o juiz federal condenou a Caixa Econômica Federal (CEF) a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 500 mil ao caseiro Francenildo dos Santos Costa. Fracenildo teve seu sigilo bancário violado em 2006, depois de acusar Antonio Palocci de frequentar a mansão da qual era caseiro, juntamente com lobistas e garotas de programa. O caso estava relacionado ao escândalo do Mensalão, que tirou Palocci do governo na época. Catta Preta Neto acolheu parcialmente a ação, que foi proposta contra a CEF e a Editora Globo S/A. A ação foi julgada improcedente em relação à empresa jornalística.
Mais recentemente, o juiz Itagiba Catta Preta Neto, concedeu uma liminar em favor das teles, por meio do SindiTelebrasil. O documento impedia que as teles ficassem obrigadas a repassar para Agência Nacional do Cinema (Ancine) a "Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional", também conhecida pela sigla "Condecine".
Essa taxa incide sobre a exploração comercial de obras audiovisuais em cada segmento de mercado e foi criada por medida provisória em 2001 e passou a cobrar do mercado em 2002. Sua incidência abrange o mercado audiovisual, composto por salas de exibição, vídeos domésticos, TV por assinatura, TV aberta, entre outros. As teles reclamam de ter de pagar por explorarem comercialmente alguns desses serviços. Há alguns dias, o STF suspendeu tal liminar. 
A Advocacia Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão. Além de suspender a nomeação de Lula para a Casa Civil, o juiz federal determina que o ex-presidente não assuma qualquer outro cargo que garanta o foro privilegiado. Ainda segundo o despacho, a decisão tem de ser cumprida pela presidente Dilma Rousseff e pela União imediatamente.
Segundo a liminar, a decisão foi tomada por haver indícios de "cometimento do crime de responsabilidade", "em vista do risco de dano ao livre exercício do Poder Judiciário, da autuação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal".

segunda-feira, 14 de março de 2016



11/03/2016
Face ao desamparo que grassa no Brasil e na humanidade atual faz-se urgente resgatar o sentido libertador da utopia. Na verdade, vivemos no olho de uma crise da ordem política e do tipo de democracia que temos, mais ainda, de uma crise civilizacional de proporções planetárias.
Toda crise oferece chances de transformação bem como de riscos e de fracassos. Na crise, medo e esperança, expressões de raiva e de violência real ou simbólica se mesclam com conclamção à tolerância e ao diálogo, especialmente neste momento crítico da sociedade nacional e, no plano internacional, devido aos 40 focos de guerra e ao fato de que já estamos dentro do aquecimento global.
Precisamos de esperança. Ela se expressa na linguagem das utopias. Estas por sua natureza, nunca vão se realizar totalmente. Mas elas nos mantém caminhando. Bem disse o irlandês Oscar Wilde: ”Um mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno de ser olhado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca, partindo em seguida, para uma terra ainda melhor”. Entre nós acertadamente observou o poeta Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é motivo para não querê-las/Que tristes os caminhos e se não fora/ A mágica presença das estrelas”.
A utopia não se opõe à realidade, antes pertence à ela, porque esta não é feita apenas por aquilo que é dado, mas por aquilo que é potencial e que pode um dia se transformar em dado. A utopia nasce deste transfundo de virtualidades presentes na história, na sociedade e em cada pessoa.
O filósofo Ernst Bloch cunhou a expressão principio-esperança. Por princípio-esperança que é mais que a virtude da esperança, ele entende o inesgotável potencial da existência humana e da história que permite dizer não a qualquer realidade concreta, às limitações espácio-temporais, aos modelos políticos e às barreiras que cerceiam o viver, o saber, o querer e o amar.
O ser humano diz não porque primeiro disse sim : sim à vida, ao sentido, à uma sociedade com menos corrupção e mais justa, aos sonhos e à plenitude ansiada. Embora realisticamente não entreveja a total plenitude no horizonte das concretizações históricas, nem por isso ele deixa de ansiar por ela com uma esperança jamais arrefecida.
Jó, quase nas vascas da morte, podia gritar a Deus:”mesmo que Tu me mates, ainda assim espero em Ti”. O paraiso terrenal narrado no Gênesis 2-3 é um texto de esperança. Não se trata do relato de um passado perdido e do qual guardamos saudades, mas é antes uma promessa, uma esperança de futuro ao encontro do qual estamos caminhando. Como comentava Bloch: “o verdadeiro Gênese não está no começo mas no fim”. Só no termo do processo da evolução serão verdadeiras as palavras das Escrituras: ”E Deus viu que tudo era bom e muito bom”. Enquando evoluimos nem tudo é bom, só perfectível.
O essencial do Cristianismo não reside em afirmar a encarnação de Deus. Outras religiões também o fizeram. Mas é afirmar que a utopia (aquilo que não tem lugar) virou eutopia (um lugar bom). Em alguém, não apenas a morte foi vencida, o que seria muito, mas ocorreu algo maior: todas virtualidades escondidas no ser humano, explodiram e implodiram. Jesus de Nazaré é o “Adão novissimo” na expressão de São Paulo, o homem abscôndito agora revelado. Mas ele é apenas o primeiro dentre muitos irmãos e irmãs; nós seguiremos a ele, completa São Paulo. Portanto, o nosso futuro é a transfiguração da vida em plenitude e não o pó cósmico.
Anunciar tal esperança no atual contexto sombrio do Brasil e do mundo não é irrelevante. Transforma a eventual tragédia da política, da Terra e da Humanidade devido à dissolução social e às ameaças sociais e ecológicas, numa crise purificadora.
Vamos fazer uma travessia perigosa, mas a vida será garantida e o Brasil bem como o Planeta ainda se regenerarão e encontrarão um caminho  que nos abra um futuro esperançador.
Os grupos portadores de sentido, as filosofias, os partidos com propostas sociais bem fundadas e principalmente as religiões e as Igrejas cristãs devem proclamar de cima dos telhados semelhante esperança.
Para os cristãos, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. A partir da crise da sexta-feira da crucificação, a vida triunfou. Por isso a tragédia não pode escrever o último capítulo da história nem do Brasil nem da Mãe Terra. Este o escreverá a vida em seu esplendor solar.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escritor e escreveu A nossa ressurreição na morte, Vozes 2008.