21/03/2016
A 'exceção' é
o golpe. Ele já está dado.
O golpe
já está dado e o que resta saber é se vamos sair dele, com mais Democracia e República,
ou com mais autoritarismo e consolidação da exceção.
Tarso Genro
Para
popularizar a defesa política, ainda em curso, sobre a legalidade e
legitimidade obtida nas urnas pelo Governo Dilma, o campo de apoio de apoio da
Presidenta cunhou a expressão "não vai ter golpe". Correta, por
sinal, mas que agora precisa ser interpretada de maneira diversa no plano
estrito da política, face às formas originais que vem adquirindo os
contenciosos políticos, dentro da crise econômica e do próprio Estado de
Direito pervertido, que estamos vivendo.
Sustento
que, a partir de agora, o destino da crise não será resolvido somente em função
dos movimentos de rua, mas terá um grande peso também a disputa dentro das
instituições. Mormente pelas decisões do Parlamento e do Poder Judiciário, pois
este decidirá -se o impedimento da Presidenta for aprovado- até se ele o foi de
forma legal, ou não. A pressão política democrática e pacífica sobre os
parlamentares, que tem o poder constitucional de chancelar a
"exceção", já instalada, adquire importância evidente neste momento
político.
Os
movimentos de rua poderão exercer, sobre estas decisões, uma grande influência,
mas mesmo que eles se tornem equilibrados, em termos numéricos, por si só não
decidirão a "exceção". Os "movimentos" de rua tem limites
para influenciar o Direito, pois este –agora- já comanda a Política: a
"exceção" está constituída e é hegemônica, e ela só poderá ser
travada, se o for, pela combinação da força das ruas com as instituições.
Não foi gratuita a divulgação, pelo golpismo, das gravações de Lula, reclamando
das posições do Supremo, pois os que o fizeram sabem que o desfecho não
será decidido pelas armas da República, mas pela flexibilização dos seus
princípios constitucionais: ódio e "exceção", são os instrumentos
centrais da política golpista.
O evento
dos juristas no Largo de São Francisco, dia 18, em São Paulo, foi tão
importante, para enfrentar a "exceção", como a grande manifestação da
Avenida Paulista. A expressão "não vai ter golpe", nestas
circunstâncias, deve então ser interpretada, agora, no contexto da “exceção”
já realizado, que obteve um resultado estratégico: a sabotagem na
recuperação da economia e a inviabilização de um Governo estável, com maioria
social e parlamentar, capaz de lhe permitir uma rotina de governabilidade.
Revogar a “exceção” é a verdadeira disputa pela hegemonia, nesta guerra
de posições que a direita encurralou o país, pois a Presidenta pode permanecer
no poder, “sangrando”, sem de fato governar.
Importante
ressaltar, igualmente, que a expressão "não vai ter golpe", não deve
sugerir -na parte da sociedade que nos apoia- que estamos numa situação
semelhante a de 64. Naquele momento da História os militares estavam
organizados em torno dos confrontos da Guerra Fria e participavam,
expressamente, de uma conspiração. Opunham-se -de maneira direta e frontal- aos
projetos de mudanças reformistas no país. Hoje, os militares, pela discrição
que tem tido nas crises, e, precisamente, por estarem atuando dentro das suas
funções constitucionais, tem um prestígio inédito na nossa história. Vincular
os movimentos de rua em defesa da Presidenta, a março de 64, pode ser uma
desinformação fatal às nossas bases e um grave erro político. Um presente de
ouro à direita fascista, que quer eternizar a exceção, com o apoio das Forças
Armadas, que são da nação e não de facções políticas em luta.
Não cabe
analisar, neste momento, os erros do comando político do Governo e dos partidos
ou frações de Partidos, que o apoiam. Nem a convergência liberal-conservadora e
autoritária, que envolve a grande mídia, altas frações do empresariado e
lideranças políticas de distintas organizações políticas e da sociedade civil,
"cansadas" da democracia. Não é hora de "balanços", mas de
resistência à continuidade da "exceção", que é, ela mesma, um golpe
"novo tipo", nos regimes democráticos em crise de representação.
O que
estamos disputando, neste momento, é se a "exceção" vai se
consolidar ou não; se teremos uma transição, para uma outra situação
institucional e política em dois meses ou em dois anos; se conseguiremos -para
o próximo período- voltar ao convívio entre diferentes, aberto pela Carta de
88, ou se isso vai se tornar impossível; se a utopia democrática ainda tem
validade histórica ou se ela será arquivada, como o foi, a experiência
socialista autoritária do Século passado; ou se virão novos ciclos de
confronto, preparatórios de uma longa guerra civil não declarada, que
certamente vai sufocar o futuro das novas gerações.
No último
dia 18, encerrei um grande ato da resistência democrática, em Porto Alegre, que
não tinha menos de 50 mil pessoas. Algumas estavam lá para defender o PT,
outras por amarem Lula –o melhor Presidente que este país teve depois de 88-,
outras, ainda, por se indignarem com a brutal campanha golpista, que é
promovida pela maioria da grande mídia nacional, para derrubar o Governo. Todas
as pessoas contra a corrupção, pela democracia, por uma saída da crise com mais
democracia, não com menos democracia.
Quando
desci do palanque para o meio de uma multidão comovida, uma senhora de cabelos
já embranquecidos me abraçou e perguntou-me: " quando eles vão dar o
golpe?", recordando certamente 1964. Naquele preciso momento me dei conta
que algo estava errado no cálculo da nossa resistência: o golpe político já
está dado pela “exceção” e o que estamos disputando é se ele vai se
consolidar como novas formas institucionais não democráticas ou se vamos sair
da “exceção” com mais democracia e República.
O
golpe pós-moderno, tanto pode se consolidar por um acordo com a corrupção
endêmica, que nenhuma "exceção" tem condições de enfrentar -pois historicamente
sempre a agrava- como por uma República dos Promotores e Juízes, cujos
protagonistas, elevando-se à condição de salvadores da nação, tutelem a
política e coloquem a Constituição a serviço do seu autoritarismo.
Este é,
agora, o nível da nossa resistência, na época da despolitização da política que
foi judicializada, da desideologização da cidadania que foi subsumida no
mercado, da utilização funcional da burocracia para capturar a democracia, que
sai -cada vez mais- das praças e flui no círculo etéreo das redes e nos
círculos de granito dos aparatos do Estado. Não nos enganemos, a última palavra
não será das Forças Armadas, porque elas não querem, mas será do que as ruas e
o debate político de alto nível repercutirem no Parlamento e no do Supremo
Tribunal Federal, como guardião formal da Constituição.
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