11/03/2016
Face ao
desamparo que grassa no Brasil e na humanidade atual faz-se urgente resgatar o
sentido libertador da utopia. Na verdade, vivemos no olho de uma crise da ordem
política e do tipo de democracia que temos, mais ainda, de uma crise
civilizacional de proporções planetárias.
Toda
crise oferece chances de transformação bem como de riscos e de fracassos. Na crise,
medo e esperança, expressões de raiva e de violência real ou simbólica se
mesclam com conclamção à tolerância e ao diálogo, especialmente neste momento
crítico da sociedade nacional e, no plano internacional, devido aos 40 focos de
guerra e ao fato de que já estamos dentro do aquecimento global.
Precisamos
de esperança. Ela se expressa na linguagem das utopias. Estas por sua natureza,
nunca vão se realizar totalmente. Mas elas nos mantém caminhando. Bem disse o
irlandês Oscar Wilde: ”Um mapa do mundo que não inclua a utopia não é digno de
ser olhado, pois ignora o único território em que a humanidade sempre atraca,
partindo em seguida, para uma terra ainda melhor”. Entre nós acertadamente
observou o poeta Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é
motivo para não querê-las/Que tristes os caminhos e se não fora/ A mágica
presença das estrelas”.
A utopia
não se opõe à realidade, antes pertence à ela, porque esta não é feita apenas
por aquilo que é dado, mas por aquilo que é potencial e que pode
um dia se transformar em dado. A utopia nasce deste transfundo de virtualidades
presentes na história, na sociedade e em cada pessoa.
O
filósofo Ernst Bloch cunhou a expressão principio-esperança. Por
princípio-esperança que é mais que a virtude da esperança, ele entende o
inesgotável potencial da existência humana e da história que permite dizer não
a qualquer realidade concreta, às limitações espácio-temporais, aos modelos
políticos e às barreiras que cerceiam o viver, o saber, o querer e o amar.
O ser
humano diz não porque primeiro disse sim : sim à vida, ao
sentido, à uma sociedade com menos corrupção e mais justa, aos sonhos e à
plenitude ansiada. Embora realisticamente não entreveja a total plenitude no
horizonte das concretizações históricas, nem por isso ele deixa de ansiar por
ela com uma esperança jamais arrefecida.
Jó, quase
nas vascas da morte, podia gritar a Deus:”mesmo que Tu me mates, ainda assim
espero em Ti”. O paraiso terrenal narrado no Gênesis 2-3 é um texto de
esperança. Não se trata do relato de um passado perdido e do qual guardamos
saudades, mas é antes uma promessa, uma esperança de futuro ao encontro do qual
estamos caminhando. Como comentava Bloch: “o verdadeiro Gênese não está no
começo mas no fim”. Só no termo do processo da evolução serão verdadeiras as
palavras das Escrituras: ”E Deus viu que tudo era bom e muito bom”. Enquando
evoluimos nem tudo é bom, só perfectível.
O
essencial do Cristianismo não reside em afirmar a encarnação de Deus. Outras
religiões também o fizeram. Mas é afirmar que a utopia (aquilo que não tem
lugar) virou eutopia (um lugar bom). Em alguém, não apenas a morte foi vencida,
o que seria muito, mas ocorreu algo maior: todas virtualidades escondidas no
ser humano, explodiram e implodiram. Jesus de Nazaré é o “Adão novissimo” na
expressão de São Paulo, o homem abscôndito agora revelado. Mas ele é apenas o
primeiro dentre muitos irmãos e irmãs; nós seguiremos a ele, completa São
Paulo. Portanto, o nosso futuro é a transfiguração da vida em plenitude e não o
pó cósmico.
Anunciar
tal esperança no atual contexto sombrio do Brasil e do mundo não é irrelevante.
Transforma a eventual tragédia da política, da Terra e da Humanidade devido à
dissolução social e às ameaças sociais e ecológicas, numa crise purificadora.
Vamos fazer uma travessia perigosa, mas a vida será garantida e o Brasil bem como o Planeta ainda se regenerarão e encontrarão um caminho que nos abra um futuro esperançador.
Vamos fazer uma travessia perigosa, mas a vida será garantida e o Brasil bem como o Planeta ainda se regenerarão e encontrarão um caminho que nos abra um futuro esperançador.
Os grupos
portadores de sentido, as filosofias, os partidos com propostas sociais bem
fundadas e principalmente as religiões e as Igrejas cristãs devem proclamar de
cima dos telhados semelhante esperança.
Para os
cristãos, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. A partir da crise da
sexta-feira da crucificação, a vida triunfou. Por isso a tragédia não pode
escrever o último capítulo da história nem do Brasil nem da Mãe Terra. Este o
escreverá a vida em seu esplendor solar.
Leonardo
Boff é articulista do JB on line e escritor e escreveu A nossa ressurreição
na morte, Vozes 2008.
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